A Monchique tirana da minha infância
de poluído verde que me ostracizou desde cedo
fiz-me à estrada, pela estrada, e fui e não mais voltei
desalentada pediste à aguardente aquilo que não obtiveste da vida
és tu a culpada pelo veneno que agora venero e sem o qual já não vivo mais
sem mais olhar para trás desapareci-te
e pedi que não mais me ligasses, morreste-me.
A simétrica linha do comboio que roubei ou me roubou,
Vai marcando linearmente o passar do tempo, o que me assusta.
Disseram-me os tolos que tinhas o sol entre as pernas e a lua na barriga
Mesmo assim dei-te com os pés, depois de bem te fornicar e ser gentilmente fornicado
Por todo o lado parei, previsivelmente, pela mesma razão
Este podre sabor que me marca o hálito das noites perdidas por aí
Enternece-me a boca e o rosto e os olhos, cada vez mais fundos e míopes
É prova das quedas pelas ruelas que feliz ribombeando o meu equilíbrio foi dando
És tu, terra maldita, sobrenaturalmente sóbria, que me trilhou a grande estrada aberta
Que me deixou prostrado sob o faminto olhar da mulher-mecânica amorosa-que me comeu
Finalmente cheguei.
Observo-me a mim próprio com desinteresse,
Carrego o semblante marcado de alguém perdido, mas eufórico
Mal me sustenho nos longos sapatos que me ajudam a amparar, iludido
Pela fútil forma estética de tentativa de integração na miasmática cena bairro alto
Sob o pasmado olhar dos terceiros de má fé, apontadores da diferença como sida sangue
Lisboa é a puta que agora me faz feliz,
Cinco euros por um bico e álcool e tabaco e droga
Que bebo instantaneamente, tal a sede de bebedeira, de perdição
Que me concedes sem sequer perguntar pela minha idade, traficante monhé
Que embirrantemente me espeta com coca boca adentro, sob uma língua imperceptível
De um lado ao outro da estrada
Vão as ruas do bairro alto cambaleando
Observando-me sem sequer se importarem ou perguntarem
Levo os ecos de um furacão cantados pelos gritos da guitarra neil young
Até que mais um grotesco taxista me pergunta ameaçadoramente – para onde vai?
Respondo-lhe, balbuciando whisky, quando não há mais sítio para ir, seguimos para casa
Acordei no dia seguinte,
Deitado com o Rimbaud e uma cerveja e o inferno
Fiz-lhe ternamente o pequeno-almoço e mandei-o embora
Que bem recebido fui, embora não me lembre, de sorriso puta fui
És estranha e, como doença oculta, penetras em tudo o que é vivo, penetraste-me
Em poucas horas, mais palha carregarei numa mão, na outra fogo, e na goela tesão