quarta-feira, fevereiro 06, 2008

A subida

Deixei-a, friamente, junto a um taxi. Praticamente nem esperei ou acenei despedindo-me. Perdi por momentos o senso, perdi-me. Entretanto, quase sem dar por isso, começou a chover lentamente. Voltei para casa, arrastei-me (impelido pelos all star gastos e quase rasgados pelas noites que me consumiram), transtornado, enquanto todo eu começava a ficar engelhadamente molhado. A água da chuva e as lágrimas, ambas tristes, pingavam-me a cara à vez. O casaco, agora encharcado, vertia gotas, por uma das suas oblíquas pontas, daquele misto ou mosto de lágrimas/água da chuva. Pesava. Provavelmente foi uma qualquer reacção provocada pela amargura ácida do sal que compõe as minhas lágrimas. Acho que em tempos foram doces. Continuei subindo a rua metocadicamente, aos encontrões com o acaso. Não ouvia. Tinha os headphones enterrados violentamente violentando-me as orelhas em troca de uns sons. Ouvia qualquer coisa triste à qual nem sequer prestava atenção. Os ténis, sujos e ainda mais gastos, embicavam nas dramaturgias soltas de uma calçada intensa e irritante que me enfrentava inclinadamente, aquelas que atribuo à minha vida. Os olhos, estranhamente abertos e inertes, transpareciam uma qualquer loucura bebida, ainda não diagnosticada, mas prognosível. A chuva não parava, por muito que me irritasse, e a música que me entoava o cérebro anunciava a perdição que vinha (venho) a esconder. Parei por momentos e olhei para cima, encarando de frente a chuva e o escuro que escondia a noite. Ninguém respondeu. Intimado a andar, o meu corpo resistiu mesmo sob pena de uma possível sanção. Inexistia neste preciso momento. Deixei de saber quem era, apesar de lúcido. perdi-me por ali. De repente, e após acordar, uma súbita jocosa e terna ironia apossou-se dos meus olhos e fez-me sorrir. Ainda mais encharcado. Era raiva encapotada. Saí do corpo que me encurtava os passos. Rapidamente desapareci e não me procurei. Ninguém me procurou. Adormeci.

1 comentário:

M. disse...

das melhores coisas que já escreveste.
gostei muito.

Lord, let it rain on me
Let it all come down
I'll sell my soul to let it roll
And I'm about ready now