Martin Scorsese, ou Marty, como usualmente lhe chamam, americano de ascendência siciliana, nascido em Nova Iorque num bairro controlado pelo crime organizado (a violência que vemos nos seus filmes foi, no fundo, aquilo que presenciou na vida real) é também um católico fatalista – aliás, até descobrir a sétima arte, queria ser padre. Acabou por frequentar a escola de cinema da Universidade de Nova Iorque, começando a sua carreira com a realização de curtas-metragens, como “The Big Shave”, que marca o início da sua fama.
A sua filmografia caracteriza-se pela revisitação constante do mundo dos gangsters, do humor negro e macabro, da violência, de um pessimismo realista quando filma a América e de um caos quase elíptico que escatologicamente representa aquela que é a sua moral.
A sua primeira longa-metragem, “Who´s That Knocking At My Door”, realizada a meias com o seu colega Harvey Keitel, trouxe-lhe o reconhecimento dos “movie brats” (Coppola, Lucas e de Palma) que conjecturavam na altura para tomar a dilacerada Hollywood dos anos 70. Na verdade, foi Brian De Palma que o apresentou a Robert De Niro, de quem se tornou amigo íntimo e colaborador assíduo a partir daí – “Mean Streets”, “Taxi Driver”; “New York, New York”, “Raging Bull”, “The King of Comedy”; “Goodfellas”, “Cape Fear” e “Casino”.
Em 1972, realizou “Boxcar Bertha” para o famoso produtor de filmes série B, Roger Corman, o mesmo que também deu a primeira oportunidade a Coppola. “Boxcar Bertha” ensinou Scorsese a fazer filmes baratos e depressa, preparando-o para o seu primeiro filme com De Niro – “Mean Streets”. Este último, aclamado pela crítica, foi o início do estrelato de Scorsese e de Niro. Seguidamente, em 1974, a actriz Ellen Bustyn convida-o para dirigir o (seu) filme “Alice Doesn’t Live Here Anymore”, com o qual ganha o Óscar de Melhor Actriz. Em 1976, Scorsese deixou o mundo do cinema de boca aberta com “Taxi Driver”. O filme é protagonizado por Robert De Niro e Jodie Foster, que têm performances brilhantes, num retrato considerado dos mais violentos e crus sobre a vida em Nova Iorque alguma vez levado à tela. “Taxi Driver”, reconhecido como brilhante pela crítica em geral, recebeu quatro nomeações para os Óscares, incluindo a de Melhor Filme. Este sucesso levou Scorsese a arriscar com o seu primeiro projecto arrojado, “New York, New York”, tributo musical à sua cidade natal, que acabou por ser um enorme fracasso de bilheteira, o que o arrastou para uma depressão nervosa. Ainda assim, voltou a arriscar e em 1978 acabou por assinar um dos melhores filmes de rock de sempre – “The Last Waltz”, que documenta o último concerto dos The Band. No mesmo ano realizou também um outro documentário, “American Boy”.
O seu estado de saúde precário e a crença de que teria tempo para uma mais produção apenas leva-o a “Raging Bull”, a segunda obra-prima de Scorsese, que recebeu oito nomeações para os Óscares, entre as quais Melhor Filme, Melhor Actor e, pela primeira vez, a Melhor Realizador. Robert De Niro ganhou, mas Scorsese perdeu para o primeiro filme de Robert Redford, “Ordinary People”. Esta derrota inesperada atirou Scorsese para longe da ribalta por uns tempos.
Até meio dos anos 80, Scorsese fez mais três filmes ditos menores – “The King Of Comedy”, “After Hours” e “The Color Of Money”. Contudo, este último, protagonizado por Newman e Cruise, acaba por dar a Newman o seu primeiro Óscar como actor principal, apontando novamente as luzes da grande indústria para Scorsese, o que lhe permitiu iniciar o projecto que provavelmente tinha na cabeça desde a altura em que se lembrou de ser padre – “The Last Temptation Of Christ”.
Scorsese filmou “The Last Temptation Of Christ” dotado de um pequeno orçamento, prevendo a controvérsia que vinha a caminho e o inevitável fracasso comercial. Estava certo quanto à controvérsia, mas completamente errado quanto ao resto – multiplicaram-se as manifestações nacionais contra e a favor do filme, numa proporção nunca antes vista, levando Scorsese à sua segunda nomeação para melhor realizador, que no entanto viria a perder novamente para um novato, desta feita Barry Levinson. Os apoios multiplicaram-se, vindo de todos quadrantes, inclusivé de importantes figuras públicas, e daí até ao “Goodfellas”, em 1990, foi um pequeno passo. Este acabaria por se tornar no seu filme mais visto de sempre.
Em “Goodfellas”, Scorsese regressa à sua Nova Iorque e aos seus actores-fetiche – Robert De Niro e Joe Pesci. O filme, que relata a vida de um gangster (Scorsese, à boa maneira católica, parece mover-se à base de fixações, seja com temas ou com actores), foi considerado o melhor filme sobre a máfia desde “Godfather”, consagrando Scorsese, de uma vez por todas, como um dos melhores realizadores de sempre. Voltou a ser nomeado para melhor realizador, mas volta, pela terceira vez, a perder para um estreante - Kevin Costner, com “Dances with Wolves”.
Seguiu-se “Cape Fear”, remake de um thriller de 1963, que veio provar que os êxitos de bilheteira não tinham abandonado Scorsese de vez. No entanto, a sua obra continuava a pautar-se mais pela aclamação da crítica, que pelo êxito comercial. “The Age of Innocence”, onde dirigiu Michelle Pfeiffer, Winona Ryder e Daniel Day-Lewis, e “Kundun”, considerado como o seu trabalho que mais se afasta do mainstream, são exemplos paradigmáticos disso mesmo. Na década de 90, registam-se ainda algumas aparições como actor em filmes como “Quiz Show” ou “Search And Destroy”. Ajudou na revelação de novos talentos. Revisitou “Taxi Driver” com “Bringing Out The Dead”, enquanto a crítica afirmava que “Casino” era o retorno de “Goodfellas”.
A produção de “Gangs of New York”, de 2002, foi considerada como a sua aventura mais arriscada. Filmado originalmente para sair no Inverno de 2001 e entrar na corrida aos Óscares, Scorsese acabou por adiar a produção final até ao início de 2002. Consequentemente, o estúdio adiou-o quase um ano para não perder o comboio dos Óscares. O orçamento ultrapassou os 100 milhões de dólares, tornando-se no trabalho mais dispendioso de Scorsese. As críticas ao filme foram moderadamente positivas, mas apesar de tudo acabou por receber dez nomeações para os Óscares. Recebeu a sua quarta nomeação para Melhor Realizador, o que levou a que se pensasse que seria desta vez que Scorsese iria arrecadar o prémio. Porém, à boa maneira de Peseiro, acabou por perder novamente, desta vez para Polanski (“The Pianist”).
É com “Gangs of New York” que nasce o novo e último fetiche de Scorsese – Leonardo Di Caprio. “The Aviator”, que contava a vida do excêntrico milionário Howard Hughes, foi o filme que se seguiu. Este projecto (de Di Caprio), roubado a Michael Mann, era extremamente pretensioso, mas também demasiado hollywoodesco, logo, óptimo para agradar a Academia – resultou em onze nomeações, entre as quais Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actor, arrecadando cinco prémios. No entanto, Scorsese perde novamente, desta vez para Clint Eastwood com “Million Dollar Baby”.
Em 2006, onze anos depois de “Casino”, volta novamente ao universo das violentas sagas mafiosas com “The Departed”. Este filme, como já li por aí, “funciona como uma surpreendente síntese”, talvez apódose de si próprio. A história passa-se em Boston e o elenco é de luxo – Leonardo Di Caprio, Jack Nicholson (que supostamente substitui Robert De Niro), Matt Damon, Mark Wahlberg, Alec Baldwin, entre outros, e é uma adaptação do filme asiático (Hong Kong) “Internal Affairs”. A aclamação por parte da crítica voltou com “The Departed” deixando-o, novamente, na pole position para vencer o Óscar para melhor realizador. E foi mesmo desta que Scorsese acabou por ganhar, arrecadando ainda as estatuetas para o melhor filme, melhor argumento adaptado e melhor trabalho de edição, embora muitos afirmem tratar-se esta vitória de uma distinção da sua carreira.
Quanto ao futuro de Marty, encontra-se já em fase de pós-produção o documentário sobre os Stones – “Untitled Stones”. Para 2008, já estão programados mais dois filmes – “Silence” e “The Rise of Theodore Roosevelt”.
Apesar de não o ter mencionado ainda, é importante referir que as nomeações e os prémios choveram vindos de todos os lados - Cannes, Berlim, Baftas, entre dezenas de outros prémios e nomeações. Pode dizer-se que a carreira de Scorsese se arrastou pela linha que separa os filmes independentes do mainstream, conseguindo alguns filmes brilhantes que já marcaram a história do cinema, entre outros menos conseguidos, feitos para agradar e para conseguir o tal Óscar (que também se tornou em mais uma das suas obsessões).Finalmente levou o Óscar para casa. Resta agora perguntar o que é que Scorsese ainda tem para nos presentear. De qualquer forma, e por agora, podemos afirmar que Scorsese é o último rei de Hollywood.