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quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Terceiro direito (Manuel de Freitas)

Terceiro direito

"O inferno, aqui. Deve ser normal.
Um choro de criança, no andar
de cima, sobrepõe-se à música
que não ouço e que é talvez de Brel
(nenhum quarteto de Mozart serviria agora

Há dias assim. Os guindastes
da insónia não seguram a voz, desastre
anunciado pela teimosia de pássaros
suburbanos. Coisas de muito esquecer,
se eu pudesse. Mas o corpo hesita,

volta a ser o envelope vazio
de um destino por assinar - e que
nada tem, neste momento, de «literário»,
Sinto a luz na garganta, sufoco
discretamente, alheio ao excesso .
de imagens que me traz o dia. ,
A alegria, se quiserem, fica para mais
tarde. Aqui, de novo, morre-se muito mal"

vivo no terceiro E, mas aqui também não se morre melhor.

este manuel de freitas mostra que a literatura portuguesa só pode provir de uma fonte inesgotável.

terça-feira, outubro 14, 2008

berço maldito/abrigo perdição

A Monchique tirana da minha infância
de poluído verde que me ostracizou desde cedo
fiz-me à estrada, pela estrada, e fui e não mais voltei
desalentada pediste à aguardente aquilo que não obtiveste da vida
és tu a culpada pelo veneno que agora venero e sem o qual já não vivo mais

sem mais olhar para trás desapareci-te
e pedi que não mais me ligasses, morreste-me.
A simétrica linha do comboio que roubei ou me roubou,
Vai marcando linearmente o passar do tempo, o que me assusta.
Disseram-me os tolos que tinhas o sol entre as pernas e a lua na barriga
Mesmo assim dei-te com os pés, depois de bem te fornicar e ser gentilmente fornicado

Por todo o lado parei, previsivelmente, pela mesma razão
Este podre sabor que me marca o hálito das noites perdidas por aí
Enternece-me a boca e o rosto e os olhos, cada vez mais fundos e míopes
É prova das quedas pelas ruelas que feliz ribombeando o meu equilíbrio foi dando
És tu, terra maldita, sobrenaturalmente sóbria, que me trilhou a grande estrada aberta
Que me deixou prostrado sob o faminto olhar da mulher-mecânica amorosa-que me comeu

Finalmente cheguei.
Observo-me a mim próprio com desinteresse,
Carrego o semblante marcado de alguém perdido, mas eufórico
Mal me sustenho nos longos sapatos que me ajudam a amparar, iludido
Pela fútil forma estética de tentativa de integração na miasmática cena bairro alto
Sob o pasmado olhar dos terceiros de má fé, apontadores da diferença como sida sangue

Lisboa é a puta que agora me faz feliz,
Cinco euros por um bico e álcool e tabaco e droga
Que bebo instantaneamente, tal a sede de bebedeira, de perdição
Que me concedes sem sequer perguntar pela minha idade, traficante monhé
Que embirrantemente me espeta com coca boca adentro, sob uma língua imperceptível

De um lado ao outro da estrada
Vão as ruas do bairro alto cambaleando
Observando-me sem sequer se importarem ou perguntarem
Levo os ecos de um furacão cantados pelos gritos da guitarra neil young
Até que mais um grotesco taxista me pergunta ameaçadoramente – para onde vai?
Respondo-lhe, balbuciando whisky, quando não há mais sítio para ir, seguimos para casa

Acordei no dia seguinte,
Deitado com o Rimbaud e uma cerveja e o inferno
Fiz-lhe ternamente o pequeno-almoço e mandei-o embora
Que bem recebido fui, embora não me lembre, de sorriso puta fui
És estranha e, como doença oculta, penetras em tudo o que é vivo, penetraste-me
Em poucas horas, mais palha carregarei numa mão, na outra fogo, e na goela tesão